20 de Novembro - Consciência Negra


EDUCAÇÃO E SAÚDE: PREVENÇÃO
A população negra brasileira, devido à miscigenação de negros procedentes de várias regiões africanas com características genéticas e culturais peculiares e, posteriormente, pela miscigenação entre negros e brancos ocorridas no país, apresenta uma especificidade genética que a distingue do resto do mundo. A atual freqUência, distribuição e causalidade das doenças mais incidentes na população brasileira afro descendente é influenciada por estas características de ordem genética e ainda fortemente por fatores socioeconômicos que incluem o regime de escravatura vivido até o final do século XIX e a posterior situação de exclusão social, presente até nossos dias, de grande parcela da população.

A título de reflexão, deteremos-nos em alguns comentários sobre doenças que encontram, na atualidade, respaldo científico consolidado para serem consideradas como mais prevalentes na população negra em virtude do condicionamento de fatores biológicos ou genéticos e que têm algum efeito direto ou indireto na saúde das crianças. Entre as que foram reconhecidas como aquelas que têm berço hereditário (Ministério da Saúde, 2000), podem-se citar: anemia falciforme; doença hipertensiva específica da gravidez; hipertensão arterial; diabetes mellitus; deficiência de 6-glicosefosfato- desidrogenase.

ANEMIA FALCIFORME

Entre elas, destacam-se as anemias hereditárias, especialmente a falciforme que é a doença hereditária mais comum no Brasil. Com origem no continente africano, especificamente nas zonas endêmicas de malária, incide predominantemente sobre afrodescendentes. No Brasil existe a predominância do tipo Banto que, segundo a classificação médica, é a forma mais grave. Distribuída heterogeneamente no território nacional, é mais freqüente nas regiões onde a proporção de população afrodescendente é maior, ou seja, no nordeste do país.

Sabe-se também que as diversas formas de anemia falciforme apresentam variadas manifestações clínicas, sendo em alguns casos assintomática e em outros de muita gravidade, levando a complicações que podem chegar a afetar quase todos os órgãos e sistemas, com alta morbidade e provocando uma redução significativa da esperança de vida.

Ela assume uma importância relativa maior nos primeiros anos de vida em função da destruição do baço, provocando maior susceptibilidade a infecções bacterianas, sendo na maioria das vezes, fatal e apresentando-se como a principal causa de morte destes pacientes, nos primeiros anos de vida.

Em função desta maior susceptibilidade às infecções a que eles estão expostos, a anemia falciforme pode estar direta ou indiretamente relacionada a 62% das causas de óbitos desses pacientes especialmente por síndrome torácica aguda, meningites, septicemia, gastroenterite e crise aplástica.

Segundo Zago (1996), pelo fato de que estas infecções têm uma evolução fatal rápida, elas também podem ser responsáveis por mortes súbitas ou por causas não diagnosticadas nos primeiros anos de vida, em crianças sem diagnóstico precoce da doença.

Além da maior prevalência das infecções enunciadas anteriormente, estas pessoas são afetadas por outras infecções diversas septicemias por pneumococos, pneumonias, hepatites, entre outras, que podem agravar ou complicar o estado de saúde, com a ação conjunta dos condicionantes socioeconômicos a que eles estão expostos.

Estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS) assinalam, para o Brasil, o nascimento de 2.500 crianças falcêmicas a cada ano. Resumindo, pode-se concluir que os doentes de anemia falciforme estão mais expostos a infeções graves, sendo mais freqüente na primeira infância e nas mulheres no período gravídico, aumentando, assim, as chances de mortalidade infantil, de perdas fetais e de mortalidade materna na população negra.


DIABETES

O diabetes mellitus que é um distúrbio metabólico de etiologia múltipla caracterizado por hiperglicemia crônica e que, depois de alguns anos de evolução,faz surgir danos, disfunções ou falência de vários órgãos ou sistemas manifesta-se no Brasil com uma prevalência de quase 8% na população adulta, com uma tendência crescente na medida em que aumenta a idade, alcançando esse valor mais de 17% nos idosos com mais de 60 anos (Franco, 2000).

A classificação etiológica destes distúrbios glicêmicos permite definir a diabetes tipo I, tipo II e a chamada gestacional, além de outros tipos específicos. É importante que o diabetes gestacional que é aquela diagnosticada pela primeira vez durante a gestação, podendo ou não persistir após o parto e podendo ter antecedido a gravidez , seja diagnosticada e tratada, devendo-se fazer uma vigilância fetal anterior ao parto com a finalidade de reduzir a mortalidade e morbidade perinatal associadas à sua presença.

Estudos sobre a diabetes tipo II, a forma mais comum, correspondendo a 90% do total de casos segundo raça, constatam que os homens negros apresentam 9% a mais de probabilidade de desenvolver diabetes que os homens brancos, e que essa probabilidade aumenta para 50% no caso das mulheres apontando, assim, para o fato do alto índice de diabetes gestacional em mulheres negras. Salientam, também, que a freqüência desta doença entre negros norte-americanos vem aumentando significativamente e em maior proporção que na população branca, tendo triplicado nos últimos 30 anos (Zago, 1996). Uma pesquisa populacional realizada no Brasil por Malerbi e Franco (2000) aponta para uma semelhança no comportamento desta doença entre negros e brancos. Porém os autores, ressaltam que, devido às diferenças socioeconômicas estabelecidas entre negros e brancos, refletida num acesso diferenciado aos serviços de saúde, a população negra apresenta uma menor freqüência de diagnóstico prévio e, conseqüentemente, está menos coberta por tratamentos específicos. Os autores estimam uma maior proporção de obesos entre negros, quando comparados com os brancos, assinalando assim, maior freqüência num fator de risco importante para contrair diabetes.


DEFICIÊNCIA DE ENZIMA HEPÁTICA

Outros autores mencionam o aparecimento de um maior número de casos de polidactila na população negra, além da deficiência de enzima hepática (glicose-6-fosfato desidrogenase), que é o defeito enzimático das hemácias mais comum na espécie humana. Este defeito pode causar episódios de hemólise aguda, anemia hemolítica crônica ou ainda ser assintomático.

Esta deficiência enzimática foi descrita inicialmente em negros norte-americanos. Ela afeta mais de 200 milhões de pessoas no mundo, porém, uma parcela pequena sofre de manifestações clínicas. Apresenta-se com maior prevalência entre populações brancas de áreas do mediterrâneo e entre negros, afetando de forma mais grave quando acomete os brancos.

Embora existam discrepâncias entre os resultados de pesquisas realizadas no Brasil, há indícios de uma maior prevalência de icterícia no período neonatal em recém-nascidos do sexo masculino com deficiência de G-6-PD, podendo chegar a provocar quadros neurológicos graves pelo acúmulo de bilirrubina nos tecidos cerebrais.


HIPERTENSÃO E DOENÇAS CARDÍACAS

As doenças cardíacas e a hipertensão arterial, umas das principais causas de morte, são mais prevalentes nos negros, e que a última aparece mais cedo e de forma mais grave nesta população. Os dados apresentados mostram uma maior probabilidade (9%) de aparecimento desta doença nas mulheres negras e alerta para as conseqüências no processo gravídico e na morte materna por toxemia decorrente de hipertensão arterial.

Com relação às síndromes hipertensivas, destaca-se a hipertensão arterial crônica e a pré-eclâmpsia individualmente ou de forma associada como complicações que podem afetar a mulher e o feto na gravidez. A pré-eclâmpsia, que ocorre principalmente em primigestas a partir da 20ª semana gestacional ou próximo ao termo do período gravídico, constitui-se como uma das principais causas de morbidade e mortalidade, tanto materna como fetal, por afetar cada órgão e sistema do organismo.


MIOMAS

Por sua relação com conseqüências diretas que podem ocorrer no desenvolvimento e morte de crianças, destacam-se os miomas uterinos. Estudos realizados nos Estados Unidos apontam que a prevalência de miomas entre as mulheres negras é cinco vezes maior que nas brancas e que, segundo seu tamanho e localização especialmente os da parede interna do útero provocariam maior incidência de abortamento espontâneo e parto prematuro. Uma pesquisa realizada em São Paulo verifica tanto a alta incidência de miomas em mulheres negras, quanto maior o percentual de histerectomias nas negras (cinco vezes superior ao das brancas), coincidindo com os achados para a população feminina negra residente nos EUA.


NASCIMENTO

Estudos epidemiológicos ou pediátricos salientam que a mortalidade neonatal é mais acentuada entre os negros, mantendo-se a diferença, mesmo que num nível menor, nos riscos relativos de mortalidade pós-neonatal entre estes e os brancos. Uma das linhas explicativas ressalta a constatação de que, com maior freqüência, os filhos de mães negras nascem com menor peso, além de ser mais frequente entre eles o menor tempo de gestação, quando comparados com os filhos de mães brancas fatores estes que aumentariam drasticamente o risco de mortalidade antes de cumprir um ano de vida.

Os autores estimam uma maior proporção de filhos de mães negras com menos de 2.500 gramas ao nascer e, em média, elas teriam gestações inferiores a 37 semanas, enquanto para as mulheres brancas a proporção de filhos prematuros e com baixo peso ao nascer seria significativamente menor. Complicações das funções pulmonares são as que mais provocam a morte dessas crianças, convertendo-se no fator limite para a sobrevivência dos recém-nascidos com baixo peso. Observa-se uma maior prevalência de nascimentos negros com baixo peso ao nascer, em quase todas as regiões do país, chegando a significar uma diferença de 20% no Norte e Nordeste do país.




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